O maior desastre que se deu na nossa costa, onde teve papel importante o serviço de porta-cabos. Trata-se do encalhe do Veronese, cargueiro inglês que trazia a bordo cerca de 219 tripulantes e passageiros.
O caso do Veronese constitui o maior salvamento por cabos de vaivém na história trágico-marítima de Portugal e foi um dos maiores salvamentos da Europa, tendo sido saudado por todas as instituições de socorros a náufragos da época.
Encalhou o Veronese a meio da noite de 16 de Janeiro de 1913, debaixo de muito mau tempo, nos rochedos que bordam a praia de Nossa Senhora da Boa Nova, a norte de Leixões, e que se estendem pelo mar dentro até 350 metros da costa. O mar, levado pela fúria do vento, rebentava por toda a parte, desfazendo-se num lençol de espuma que chegava à praia por cima de vagas alterosas. A água invadira o navio, as câmaras e os porões, obrigando a refugiar-se na tolda os passageiros estremunhados, que, cá fora, encontram de novo o mar varrendo o navio de bordo a bordo.
Entre a terra e o Veronese estendiam-se os rochedos, cujas pontas negras e aguçadas emergiam aqui e além. O navio, bem encaixado no meio das rochas, não podia fazer uso das suas embarcações no meio do mar bravio.
Vendo a importância do sinistro foi chamado todo o material das estações de bombeiros da Póvoa de Varzim, de Vila do Conde, da Foz, de Matosinhos e Leça da Palmeira e do Porto. Acorreram também ao local do sinistro a policia, alguma tropa e muito povo que enchia a praia.
Os Bombeiros Voluntários de Viana do Castelo vieram de comboio, transportando todo o material disponível de lança-cabos.
Foram lançados dezanove foguetões antes que o primeiro conseguisse atingir o navio. O vento, a chuva e as ondas que galgavam os tombadilhos do navio faziam desviar os mensageiros da linha, que deveria estabelecer o primeiro contacto. Muitas vezes, eram as próprias rochas que cortavam o fio mensageiro.
Finalmente, houve um tiro de sorte (1), por sinal enviado pelos Bombeiros de Viana do Castelo, que eram os que tinham vindo de mais longe. O cabo mensageiro foi dos substituído pelo cabo de vaivém, mais forte e que vai suportar a bóia-calção para o salvamento. Por ela vêm para terra, numa manobra que vai durar 52 horas consecutivas, 98 náufragos. Nesta faina de trazer a bóia-calção a terra e colocá-la novamente a bordo foi necessário alar à mão cerca de 70 quilómetros de cabo.
O primeiro náufrago a chegar a terra foi uma jovem de quinze anos, Dorothy Alcoy, e, dizia-se a bordo, que todos abriram alas para que se salvasse antes de tudo a juventude e a beleza.
A seguir chegou a terra uma mulher desmaiada, mas com o filho tão apertado ao colo que o mar não lho pôde levar.
É que, em 350 metros de cabo, a catenária era enorme e durante o percurso do navio para a praia os náufragos mergulhavam em parte no mar.
Segundo as palavras de Hypácio de Brion, "nunca em parte alguma do mundo se fez trabalho semelhante", dando origem a que se recebessem elogios de França, Inglaterra, Holanda e Espanha.
Com o mar mais calmo lançaram-se ao mar os salva-vidas Cego de Maio e Rio Douro, que não se puderam aproximar muito do navio, mas que por meio de cabo conseguiram salvar 102 náufragos.
Salvaram-se duzentos passageiros e tripulantes e calcula-se que pereceram dezanove.
Nesta tragédia marítima de salvamento por porta--cabos, o mar embravecido, os navios e as rochas ponteagudas constituíram o cenário; os protagonistas eram os náufragos transidos de medo a bordo, mas os verdadeiros heróis foram os bombeiros anónimos de várias corporações que, dia e noite, durante 52 horas seguidas, conforme já referido, conseguiram salvar quase cem almas.
Pouco depois da tragédia do Veronese, o bombeiro José de Brito, primeiro patrão do Estado--Maior dos Bombeiros Voluntários do Porto, resolveu estudar a construção de um carro porta-cabos em que tudo estivesse arrumado de tal maneira que viesse às mãos na altura própria e sem confusões, no desenrolar de um salvamento marítimo com aquele material.

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Audaces fortuna juvat - "A sorte protege os audazes"