06| Notícias da Época - 01.05.1881

INCENDIOS NA PROVINCIA


No dia 23 do passado, houve em Vianna um incendio que encheu de pavor aquella cidade, sendo de assustar as noticias que d'alli nos foram transmitidas.
O caso é narrado assim por uma folha da localidade:
« pelas 6 horas da manhã de sabbado deram as torres signal de incendio, que se manifestou no armazem ou deposito de enxofre que o sr. Francisco José de Araujo, acreditado negociante da praça do Porto, possue na rua do Caes, d'esta cidade.
O armazem continha cerca de 500 sacas d'aquelle genero e uma porção d'urze secca, que serve para estivagem de navios.
Logo que foram ouvidos os signaes compareceu no local do sinistro a companhia de bombeiros municipaes com os respectivos apparelhos, quasi todo o regimento aqui estacionado, muitos guardas de fiscalisação externa, e outras pessoas, que, sob as ordens imediatas das autoridades, também presentes, principiaram a combater o incendio, que ameaçava tomar enormes proporções.
Difficil e arriscadissimo era, porém, este trabalho.
Os vapores do enxofre a arder aspalhavam-se de de maneira tal que sem risco de asphixia fulminante ninguem se podia approximar do armazem.
Affrontando assim, com denodo extraordinario, que até mesmo a grande distancia incommodava, os bombeiros municipais, coadjuvadospelos valentes porta-machados de infantaria 3, guardas da fiscalisação e muitos particulares, começaram a inumdar, com o serviço simultaneo de tres bombas pelo lado do caes e pela rua do mesmo nome, o primeiro e segundo pavimento do edificio incendiado.
Apezar, porém, de toos os esforços e d interrupção do trabalho, difficultado pela estreitesa da rua e pela impossibilidadeda entrada n'uma viella de um metro de largura, que separa a casa incendiada do edificio da alfandega, o fogo progredia sempre, o panico augmentava e as nuvens de fumo suffocador tornavam cada vez mais critica a situação.
N'esta conjunctura resolveu-se cortar o telhado do predio, a fim de evitar a communicaçãodo fogo para os que lhe ficam contiguos.
Procederam a este serviço, aliásdifficilimo, porque a fumarada do enxofre era, como já dissemos, suffocadora, alguns dos bombeirosminicipaes, os porta-machados, e tres carpinteiros das obras da barra, regulando os trabalhos o sr. engenheiro João Thomaz da Costa, digno director das obras publicas déste districto. Foram então retiradas do pavimento superior do predio incendiado muitas centenas de molhos de carqueja, que o fogo, ainda não attingira, e que a conservarem-se alli augmentariam dentro em pouco, e por maneira horrorosa, a violencia do elemento destruidor.
Concluido este serviço, e quando o pessoal que o realisara tinha passado ao segundo andar, abateu uma porção de soalho, levantando-se então uma enorme lavareda, uma lingua de fogo, que produziu graves queimaduras nas pessoas presentes, ficando feridos, entre outros, aquelle sr. engenheiro Costa, quatro porta-machados o bombeiro Manuel Pinto de Campos, o carpinteiro José Ribeiro Taborda e Benjamin do Espirito Santo, os quaes mais ou menos correram, n'esta occasião, imminente risco de vida, porque só por milagre se pôde explicar como é que não foram precipitados no abysmo que de subito se lhes abrira debaixo dos pés.
Proseguiram depois os trabalhos de extincção. As bombas, sem cessar, inundavam tudo de agua.
No foco do incendio, e sempre com grande custo, lançou-se uma grande porção de areia, que conseguiu amortecer a violencia do fogo, que só n'esta altura começou a ser dominado com vantagem!
Ao mesmo tempo retirava-se do armazem contiguo, e já por entre nuvens de fumo asphixiante, uma grande porção de latas de petroleo e barris de alcatrão, bem como se procedia ao despejo do importante deposito de cereaes que o sr. Antonio Pires Barbosa, acreditado negociante d'esta praça, possue junto e ao nascente do predio incendiado.
Até ás cinco horas da tarde continuaram, sem cessar, estes trabalhos, e perto das seis suspenderam-se, porque o fogo parecia extincto e já se podia penetrar no armazem. Durante a noite ficaram alli as bombas, um piquete de tropa, a companhia de bombeiros e muitas outras pessoas, mas nada houve que dêsse a conhecer a continuação do fogo, o qual se dava já por completamente terminado.
Hontem, porém, começou de novo a sahir o fumo durante alguns minutos, o que faz suppor que ainda lavra o fogo nas saccas que mais superficialmente se acham soterradas. Estão, todavia, tomadas as providencias, e até à hora em que escrevemos, não ha receio que o incendio se possa outra vez manifestar.
Do edificio da alfandega, que fica, como é sabido, nas trazeiras do predio em que o fogo causou tão avultados prejuizos, foram retiradas todas as mercadorias, mobilia e archivo das repartições, não havendo, porém, alli generos inflammaveis, como por equivoco se disse e o que mais fez augmentar o justificado terror que já reinava.
No armazem contiguo, pertencente ao sr. João José Roxo, em outro fronteiro, do sr. Domingos Gonçalves de Carvalho, e ainda em outros mais da mesma rua, é que existia uma enorme porção de caixas de petroleo.
Se por espantosa desgraça o fogo se communica ao primeiro, antes que d'elle fosse retirado, como foi, aquelle liquido, teriamos hoje a registar uma enorme catastrophe, e Deus sabe quantas victimas e quantos prejuizos collossaes teriam resultado d'esta gravissima imprudencia de se consentir no meio da cidade um sem numero de depositos de tantos generos inflammaveis!»
Os telegrammas recebidos nésta cidade davam proporções tão avultadas ao incendio que fica narrado que a anciedade era geral. Foi assim que no comboio da tarde partiram para Vianna os nossos amigos e camaradas Eduardo de Souza Pereira, primeiro patrão ajudante, Arminio von Deollinger, aspirante Luiz da Terra Pereira Vianna e João Ferreira Dias Guimarães Junior, dos bombeiros voluntários.
Um telegramma recebido pelo sr. governador civil do districto, do seu collega de Vianna e recebido depois das tres horas da tarde pedia soccorros que seguiriam por trm ordinario ou expresso. Feito o pedido à associação dos Bombeiros Voluntarios todos os que tiveram noticia d'elle se prestaram da melhor vontade a ir a Vianna e uma hora depois estava tudo a postos na estação de Campanhã prompto a partir, levando o seu material. A inspecção dos incendios fazia tambem seguir uma bomba com o respectivo pessoal.
Quando todo o material estava já acondicionado nos wagons que o deviam conduzir: momentos antes da partida do comboio foi recebido um telegramma ordenando que o comboio não seguisse se ainda não tivesse partido e que regressasse ao Porto caso estivesse em caminho.
Os bombeiros voluntários iam commandados pelo seu chefe: assistindo na estação de Campanhã ao embarque do pessoal e material o sr. inspector geral dos incendios a quem os deveres do seu cargo não lhe permittem ausentar-se da cidade.
Ao que nos informam a falta de pratica do pessoal que tem em Vianna a missão de acudiraos incendios, e mais que tudo a insufficiencia dos meios d'ataque é que mais fez revestir de horrores o incendio que sobresaltou a cidade de Vianna.
Os prejuizos segundo já vimos n'uma correspondencia dáquella cidade para um nosso collega orçam por um conto de reis.
Os nossos camaradas regressaram no comboio da uam hora da tarde do dia seguinte, sendo recebidos em Vianna, como era de suppôr, muito amavelmente.

Folha Quinzenal - O BOMBEIRO PORTUGUEZ - Porto 01.05.1881 - nº 3 - pag nº 21 e 22

  • Rua dos bombeiros
    4900-533 Viana do Castelo

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